Contos & Poesias

Tuesday, January 08, 2008

Ao meu amor

Ele me faz rir
e chorar
e sonhar.

Ele me faz olhar pra frente
quando pra trás é o caos.
E me ajuda a enxergar a luz
quando tudo é trevas.

Ele me faz sentir mulher
quando me cola no seu corpo,
e me faz anjo
quando vela meu sono.

Ele é meu fruto proibido
quando tudo é permitido.
Ele dá sabor à minha vida
mesmo quando tudo parece insosso.

Ele não é meu,
mas pertence à minha vida.
Ele é simplesmente o amor da minha vida.

Tuesday, November 06, 2007

Delicadamente coloquei minha mão sobre seu ombro. Sem se assustar e já sabendo que era eu, ele segurou minha mão e disse:

- Precisava mesmo falar com você. Leu meus pensamentos.

Saímos dali e fomos nos sentar em um banco mais afastado pra que pudéssemos conversar com mais sossego, sem muitas interrupções. O assunto pedia discrição, e não seria no meio da multidão que a teríamos.

O clima estava agradável, batia uma brisa muito gostosa, apesar de estranha para aquela época do ano. Já estávamos no verão, e um ventinho desse a essa altura do campeonato era no mínimo de se estranhar.

- Tá ventando, né? - Paulo puxou o papo, sem um mínimo de criatividade.

Respondi no mesmo nível:

- Tá sim, e já era pra estar um calorão!

Um silêncio desconfortável pairou sobre nós.

- Então, Bete, eu estava mesmo querendo conversar com você. Sobre o que está acontecendo, sobre a gente...

- É, a gente precisa mesmo colocar a nossa relação em pratos limpos. Na verdade, foi tudo acontecendo, e a gente nem teve tempo de falar sobre o que estava acontecendo. Eu...

Paulo a interrompeu com um beijo.

- O que é isso, rapaz? A gente não estava aqui pra conversar? - indagou Bete, ligeiramente nervosa por ter sido interrompida, apesar de ter gostado do beijo. Ela sempre gostava do beijo de Paulo.

- Olha, tenho que te confessar uma coisa, querida. Não sei em que situação você está em relação a mim, mas eu estou completamente apaixonado por você e precisava o quanto antes que você soubesse disso.

Nesse momento, tomada pela surpresa do que Paulo lhe disse, Bete não conseguia formar uma frase. Principalmente porque ela sabia que não estava se sentindo do mesmo jeito que Paulo.

- É,... Eu... Paulo... A gente...

- Diga, meu amor.

- A gente tem que pensar melhor sobre isso.

- Então há alguma chance para nós? - perguntou Paulo, enchendo seu coração de esperanças.

- Chance? Como assim?

- Se você me disser que nós temos chance de construir uma vida juntos eu...

Agora Bete começou a ficar realmente nervosa. Quando ela foi procurá-lo para esta conversa ela queria era contar pra ele que na semana seguinte ela iria se mudar. Para a Austrália. Sem retorno.
- Austrália??? Como assim? Você está louca?!?! - interrogava Paulo aos gritos.
- Paulo, que isso, fale mais baixo. Tá todo mundo olhando pra gente!
- Como você quer que eu fale mais baixo? Você me enganou! Me deu esperanças, eu me apaixonei por você e agora você vem com essa estória maluca de ir morar na Austrália?
- Mas Paulo, eu nunca disse que o nosso relacionamento, se assim posso chamar o que havia entre nós, resultaria em algo mais sério. Nós estávamos curtindo um ao outro, numa boa, e hoje eu vim te chamar pra conversar justamente pra gente se resolver e pôr um ponto final nisso. Afinal de contas, eu já estava com essa viagem programada há muito tempo.
- Mais uma vez então você me enganou! Você já tinha tudo planejado, e ficou me "curtindo", me fazendo de otário, se divertindo às minhas custas enquanto eu ia me apaixonando por você. Você não presta, Elizabete.
- Paulo, definitivamente, eu nunca dei a entender nem nunca falei que o que estava acontecendo iria se transformar em algo sério. Já te disse isso. Não sei o motivo de você ter pensado assim e muito menos de estar tendo essa reação agora. Pra te falar a verdade, nem passamos tanto tempo juntos assim pra que você se apaixonasse. E não, eu não te enganei. Nunca. Mas se você quer entender assim...
- Ah, então quer dizer que a senhorita agora vai vir com esse papo de "problema é seu", né? É muito fácil ficar usando os outros e na hora que você quiser você simplesmente vai embora.
- Olha, Paulo, eu juro que eu não sei porque você está agindo assim. Muito menos eu sabia que você era assim, e, se eu soubesse, jamais teria me envolvido com você. A partir de agora é problema seu, sim. Adeus.
- Isso, vai embora, sua ingrata! Destruidora de corações! Você não perde por esperar!!!
E falando baixinho Paulo disse:
- Do Brasil você não sai.
E assim Bete foi embora, a passos largos, porém calmos e decididos. No entanto, ficou muito pertubada com essa reação exagerada de Paulo, ainda mais porque ele sempre se mostrou um homem calmo, tranqüilo, de bons modos. E foi exatamente por ele ser assim que ela foi até ele para contar sobre a viagem.
- Que reação mais estranha. - pensava Bete - Nunca poderia imaginar que ele ficaria tão transtornado.
Transtornado não. Paulo estava por virar um monstro.
A semana transcorreu normalmente para Bete, que estava agitando os últimos preparativos da viagem. Sua família a ajudou bastante, e os amigos também. Na véspera da viagem fizeram uma festa surpresa de despedida para ela e, muito emocionada, se despediu de todos.
O grande dia chegou. Às 06:35 Bete pegou seu táxi em direção ao aeroporto. Estava maravilhada com a gama de possibilidades diferentes que surgiam à sua frente num país desconhecido para ela. Mas, otimista como sempre, achava que tudo ia dar certo e que ela iria adorar morar lá do outro lado do mundo. E, afinal de contas, se nada desse certo, ela voltava pra casa.
Assim que chegou no aeroporto o taxista a ajudou a colocar as malas no chão. Radiante, Bete entrou no saguão do aeroporto. Escutou, então, um barulho muito alto e sentiu um impacto muito forte no seu peito. Desmaiou. Bete havia tomado um tiro.
Foi um corre-corre impressionante no aeroporto, policiais em todos os lugares, passageiros assustadíssimos correndo, e o taxista, que ainda estava lá, chamou os bombeiros para socorrer Bete. Os bombeiros fizeram de tudo, mas a bala tinha entrado em seu coração, e Bete não resistiu. Os policiais não acharam quem disparou o tiro, apesar de muito terem procurado.
Tomados pela emoção, a família e os amigos de Bete a enterraram. De longe, Paulo observava tudo. E pensou:
- Eu disse que do Brasil você não saía.

Saturday, November 03, 2007

A ti


A ti me entrego por completa.
Recusei a te aceitar no início, mas hoje vejo que não há saída.
Eu sou tua, e tu fazes parte da minha vida.
Tu chegastes não sei nem como, quando ou porquê,
sorrateiramente viestes te aproximando,
e hoje somos só um.
Por mais que digam que não,
não podemos andar juntos em harmonia,
não há escapatória.
Apareces em minha vida nos momentos mais embaraçosos,
e às vezes nos mais tenros,
e às vezes nos mais eufóricos.
Apareces sem dizer que vem
nem que vai.
Quando estamos juntos,
nada que acontece no mundo real nos importa.

Não, querido leitor,
não falo de um homem, ou um ser amado.
Falo dela,
minha tão conhecida... Loucura.

Wednesday, June 21, 2006

Com pressa

Anda, rápido,
escreve logo, menina
Escreve logo esse poema que seu tempo
tá acabando
Não, não o tempo aqui na
Terra
O tempo criativo
O tempo da imaginação
O tempo do ócio produtivo
Vai menina, escreve logo
que amanhã tem jogo da seleção
Anda
Fala de alguma coisa
Alguma coisa bonita
Fala de amizade
Ó, não, fala de amor
Fala de tudo que lhe causa ternura
Fala de tudo aquilo
que de alguma forma te deixa feliz
Ah, já sei...
Fala de...
- Desculpe, mas meu tempo acabou.

Texto por Lucia Silva

Wednesday, April 19, 2006

O único animal

O homem é o único animal...
... que ri
... que chora
... que chora de rir
... que passa por outro e finge que não vê
... que fala mais do que papagaio
... que está sempre no cio
... que passa trote
... que passa calote
... que mata a distância
... que manda matar
... que esfola os outros e vende a pele
... que alimenta as crias, mas depois cobra com chantagem sentimental
... que faz o que gosta escondido e o que não gosta em público
... que leva meses aprendendo a andar
... que toma aula de canto
... que desafina
... que paga pra voar
... que pensa que é anfíbio e morre afogado
... que pensa que é bípede e tem problema de coluna
... que não tem rabo colorido, mas manda fazer
... que só muda de cor com produtos químicos oe de vergonha
... que tem que comprar antenas
... que bebe, fuma, usa óculos, fica careca, põe o dedo no nariz e gosta de ópera
... que faz um boneco inflável da fêmea
... que não suporta o próprio cheiro
... que se veste
... que despe os outros
... que só lambe os outros
... que tem cotas de emigração
... que não tem uma linguagem comum a toda a espécie
... que se tosa porque quer
... que aposta em galo e cavalo
... que tem gato e cachorro
... que tem lucro com os ovos dos outros
... que caça borboleta
... que usa gravata e pensa que Deus é parecido com ele
... que planta e colhe
... que planta e colhe e mesmo assim morre de fome
... que foi à Lua
... que apara os bigodes
... que só come carne crua em restaurante alemão
... que gosta de escargot (fora o escargot)
... que faz dieta
... que usa o dedão
... que faz gargarejo
... que escraviza
... que tem horas
... que imita passarinho
... que poderia ter construído Veneza e destruído Hiroshima
... que faz fogo
... que se analisa
... que faz ginática rítmica
... que sabe que vai morrer
... que sabe que vai morrer e mesmo assim vai atrás do motorista que cortou a sua frente sópra xingar a mãe dele e se desagravar porque nãoleva desaforo pra casa de vagabundo nenhum
... que sabe que vai morrer e mesmo assim, ou por causa disto, fica fazendo caretas na frente do espelho
... que se compara com os outros animais
... que se mata
... que se pinta
... que tem uma cosmogonia
... que senta e cruza as pernas
... que chupa os dentes
... que pensa que é eterno.

O homem não é o único animal...
... que constrói casa, mas é o único que precisa de fechadura
... que foge dos outros, mas é o único que chama de retirada estratégica
... que se ajoelha, mas é o único que faz isto voluntariamente
... que trai, polui e aterroriza, mas é o único que se justifica depois
... que engole sapo, mas é o único que não faz isso pelo valor nutricional
... que faz sexo, mas é o único que precisa de manual de instruções.


Texto por Luís Fernando Veríssimo, em "Poesia numa hora dessas?!"

Thursday, April 13, 2006

Ah, se eu soubesse...

Hoje seria um dia feliz. Tinha tomado um daqueles banhos deliciosos que nos fazem lavar a alma depois da sua caminhada diária, numa rua cercada de árvores. O aroma do novo dia começando havia lhe dado um gás extra para enfrentar o longo dia. Maria Luiza, ou Malu (como gostava que os amigos, e apenas os amigos, a chamassem), estava pressentindo que aquele dia seria especial, apesar de nada de concreto indicar isto. O dia estava como todos os outros, era apenas Malu que queria que aquele fosse diferente. E foi.
Logo assim que chegou ao trabalho ela encontrou em cima da sua -muito- organizada mesa uma carta, anônima. Dizia apenas que encontrasse com ele (ou ela) na rua Santo Agostinho em frente à padaria Q'Pão. Achou estranho, perguntou a todos na redação quem tinha deixado aquela carta em cima da sua mesa, mas ninguém soube responder. Mesmo assim, por causa da animação que acordou com ela, resolveu ir. Ah, Maria Luiza, você não deveria ter ido.
Chegando à padaria, resolveu que iria tomar um cafezinho, afinal de contas, àquela hora ela já estava ficando com fome, pois acordara muito cedo. "Deve ser alguma coisa muito boa!", pensou ela, entusiasmada. Não sabia o que esperar, nem quem esperar, mas, segundo a nota de rodapé da carta anônima, a pessoa saberia encontrá-la. Repentinamente Malu sente uma mão leve, muito leve, em seus ombros e se assusta:
- Sou eu, Maria Luiza, sua mãe! - disse a dona das mãos suaves.
- Quê?!?! Quem é a senhora?! - perguntou, assustadíssima, Malu.
- Sua mãe, pelamordedeus! Vem cá me dar um abraço!
- A senhora só pode estar louca! - esbravejava a agora não mais animada Malu - Minha mãezinha está em casa, provavelmente cozinhando nosso almoço a esta hora.
- Não, Malu, EU sou sua mãe, Jurema é apenas a moça que te criou quando você nasceu e eu te entreguei nos seus braços...
- Não me chame de Malu! Eu nem conheço a senhora! Que estória mais absurda, meu Deus! Dá licença, minha senhora!
- Não, Maria Luiza, não vá! - suplicou a senhora, aos prantos.
O dia tão maravilhoso que Maria tinha imaginado foi desmoronando. Chorou copiosamente durante horas a fio, e só depois de muito pensar retornou à redação. Pegou a carta, releu-a, e decidiu rasgá-la. Foi até o banheiro, lavou muito bem o seu rosto e foi pra casa, decidida a exigir explicações de Jurema.
O caminho foi tortuoso, pensava sem parar naquela mulher. Realmente, agora lhe parecia que a mulher guardava semelhanças com ela mesma, e ficou mais atormentada. Como assim, minha mãe?, pensou. Depois de algum tempo, lá estava Malu em casa. Quando entrou na cozinha deu de cara com sua "mãe", ou Jurema, sabe-se lá. Foi quando Malu respirou profundamente e, na decisão mais importante da sua vida, perguntou:
- O que temos pro almoço hoje, Mãe?

Texto por Lucia Silva

Monday, April 10, 2006

Uma fria madrugada



Naquele exato momento eram 02:37 da manhã. Seus pensamentos estavam vagos, tortos, quem sabe até um pouco por causa do teor etílico em seu sangue. Não sabia mais distingüir seus devaneios da realidade. Paulo não sabia mais nem mesmo se estava acordado. Sabia, somente, que sentia frio, muito frio. Suas mãos e seus pés estavam a um passo de congelar. Afinal de contas, Nova Iorque é uma cidade realmente muito fria no inverno.
Naquele momento, Paulo era somente mais um -pobre homem brasileiro- na multidão inquieta que transita diariamente pelas ruas de Nova Iorque. Cruzam a Fifth Avenue a toda hora, passam pelas ruas em trajes de trabalho, sejam businessmen ou pessoas comuns. Mas Paulo estava lá, entregue à própria sorte, regido pelo destino, sem emprego, sem família, só podendo contar com ele mesmo e, é claro, com sua inseparável garrafa de álcool. No entanto, a madrugada lhe reservara uma grande surpresa.
Mesmo praticamente só e rodeado tão somente pelos vultos das milhares de pessoas que ali passam diariamente durante o dia, eis que ele avista uma figura graciosa, fragrante, deliciosamente fragrante, e, segundo sua própria imaginação, tenra. Não que ele não a enxergasse bem, não é isso, mas não tinha muita noção se estava apenas sonhando ou se aquilo realmente era verdade. "Ah, mesmo que seja um sonho, que sonho mais maravilhoso!" - falou consigo mesmo.
O que Paulo não poderia imaginar é que no meio de milhões de estado-unidenses ele iria encontrar semelhante figura em seu caminho já totalmente desfigurado. Rose, tão perfumada e singela como seu próprio nome sugere, sentiu-se na estranha obrigação de falar com aquele homem sujo, cabelo desalinhado, roupas rasgadas e com bastante frio. Sentiu-se também atraída, sabe-se lá o motivo, por ele. E não o julgou. Não ficou pensando no que teria acontecido a ele pra ter tido este destino. Apenas queria conversar um pouco, sobre qualquer coisa, estava por demais angustiada por estar em casa, acordada, olhando para as paredes.
Deu a ele suas luvas, delicadas e quentes, e perfumadas com seu cheiro. Mais que prontamente Paulo aceitou, pois sabia que suas mãos já estavam a ponto de literalmente congelar. Ele começou a se sentir novamente sóbrio com o chocolate quente que Rose o comprou. Conversaram então sobre o clima, sobre a hora em que ambos estavam no meio da rua e seus motivos. Conversaram também sobre a nacionalidade de cada um. Ele, um pobre baiano que foi à América procurar um emprego; ela, uma estado-unidense de classe média alta, que estava se sentindo uma miserável mulher. Falaram, ainda, sobre seus fortúnios e infortúnios. Em um certo ponto da conversa ambos não tinham mais o que se dizer, e apenas ficaram se olhando. Rose chorou, com seus espinhos cravados em seu coração.
E naquela madrugada Paulo teve onde dormir.
Texto por Lucia Silva