Tuesday, November 06, 2007

Delicadamente coloquei minha mão sobre seu ombro. Sem se assustar e já sabendo que era eu, ele segurou minha mão e disse:

- Precisava mesmo falar com você. Leu meus pensamentos.

Saímos dali e fomos nos sentar em um banco mais afastado pra que pudéssemos conversar com mais sossego, sem muitas interrupções. O assunto pedia discrição, e não seria no meio da multidão que a teríamos.

O clima estava agradável, batia uma brisa muito gostosa, apesar de estranha para aquela época do ano. Já estávamos no verão, e um ventinho desse a essa altura do campeonato era no mínimo de se estranhar.

- Tá ventando, né? - Paulo puxou o papo, sem um mínimo de criatividade.

Respondi no mesmo nível:

- Tá sim, e já era pra estar um calorão!

Um silêncio desconfortável pairou sobre nós.

- Então, Bete, eu estava mesmo querendo conversar com você. Sobre o que está acontecendo, sobre a gente...

- É, a gente precisa mesmo colocar a nossa relação em pratos limpos. Na verdade, foi tudo acontecendo, e a gente nem teve tempo de falar sobre o que estava acontecendo. Eu...

Paulo a interrompeu com um beijo.

- O que é isso, rapaz? A gente não estava aqui pra conversar? - indagou Bete, ligeiramente nervosa por ter sido interrompida, apesar de ter gostado do beijo. Ela sempre gostava do beijo de Paulo.

- Olha, tenho que te confessar uma coisa, querida. Não sei em que situação você está em relação a mim, mas eu estou completamente apaixonado por você e precisava o quanto antes que você soubesse disso.

Nesse momento, tomada pela surpresa do que Paulo lhe disse, Bete não conseguia formar uma frase. Principalmente porque ela sabia que não estava se sentindo do mesmo jeito que Paulo.

- É,... Eu... Paulo... A gente...

- Diga, meu amor.

- A gente tem que pensar melhor sobre isso.

- Então há alguma chance para nós? - perguntou Paulo, enchendo seu coração de esperanças.

- Chance? Como assim?

- Se você me disser que nós temos chance de construir uma vida juntos eu...

Agora Bete começou a ficar realmente nervosa. Quando ela foi procurá-lo para esta conversa ela queria era contar pra ele que na semana seguinte ela iria se mudar. Para a Austrália. Sem retorno.
- Austrália??? Como assim? Você está louca?!?! - interrogava Paulo aos gritos.
- Paulo, que isso, fale mais baixo. Tá todo mundo olhando pra gente!
- Como você quer que eu fale mais baixo? Você me enganou! Me deu esperanças, eu me apaixonei por você e agora você vem com essa estória maluca de ir morar na Austrália?
- Mas Paulo, eu nunca disse que o nosso relacionamento, se assim posso chamar o que havia entre nós, resultaria em algo mais sério. Nós estávamos curtindo um ao outro, numa boa, e hoje eu vim te chamar pra conversar justamente pra gente se resolver e pôr um ponto final nisso. Afinal de contas, eu já estava com essa viagem programada há muito tempo.
- Mais uma vez então você me enganou! Você já tinha tudo planejado, e ficou me "curtindo", me fazendo de otário, se divertindo às minhas custas enquanto eu ia me apaixonando por você. Você não presta, Elizabete.
- Paulo, definitivamente, eu nunca dei a entender nem nunca falei que o que estava acontecendo iria se transformar em algo sério. Já te disse isso. Não sei o motivo de você ter pensado assim e muito menos de estar tendo essa reação agora. Pra te falar a verdade, nem passamos tanto tempo juntos assim pra que você se apaixonasse. E não, eu não te enganei. Nunca. Mas se você quer entender assim...
- Ah, então quer dizer que a senhorita agora vai vir com esse papo de "problema é seu", né? É muito fácil ficar usando os outros e na hora que você quiser você simplesmente vai embora.
- Olha, Paulo, eu juro que eu não sei porque você está agindo assim. Muito menos eu sabia que você era assim, e, se eu soubesse, jamais teria me envolvido com você. A partir de agora é problema seu, sim. Adeus.
- Isso, vai embora, sua ingrata! Destruidora de corações! Você não perde por esperar!!!
E falando baixinho Paulo disse:
- Do Brasil você não sai.
E assim Bete foi embora, a passos largos, porém calmos e decididos. No entanto, ficou muito pertubada com essa reação exagerada de Paulo, ainda mais porque ele sempre se mostrou um homem calmo, tranqüilo, de bons modos. E foi exatamente por ele ser assim que ela foi até ele para contar sobre a viagem.
- Que reação mais estranha. - pensava Bete - Nunca poderia imaginar que ele ficaria tão transtornado.
Transtornado não. Paulo estava por virar um monstro.
A semana transcorreu normalmente para Bete, que estava agitando os últimos preparativos da viagem. Sua família a ajudou bastante, e os amigos também. Na véspera da viagem fizeram uma festa surpresa de despedida para ela e, muito emocionada, se despediu de todos.
O grande dia chegou. Às 06:35 Bete pegou seu táxi em direção ao aeroporto. Estava maravilhada com a gama de possibilidades diferentes que surgiam à sua frente num país desconhecido para ela. Mas, otimista como sempre, achava que tudo ia dar certo e que ela iria adorar morar lá do outro lado do mundo. E, afinal de contas, se nada desse certo, ela voltava pra casa.
Assim que chegou no aeroporto o taxista a ajudou a colocar as malas no chão. Radiante, Bete entrou no saguão do aeroporto. Escutou, então, um barulho muito alto e sentiu um impacto muito forte no seu peito. Desmaiou. Bete havia tomado um tiro.
Foi um corre-corre impressionante no aeroporto, policiais em todos os lugares, passageiros assustadíssimos correndo, e o taxista, que ainda estava lá, chamou os bombeiros para socorrer Bete. Os bombeiros fizeram de tudo, mas a bala tinha entrado em seu coração, e Bete não resistiu. Os policiais não acharam quem disparou o tiro, apesar de muito terem procurado.
Tomados pela emoção, a família e os amigos de Bete a enterraram. De longe, Paulo observava tudo. E pensou:
- Eu disse que do Brasil você não saía.

4 Comments:

Blogger Blog da Morgana said...

Nossa, que tragédia golçalviana... Muito legal! Parabéns!

4:18 PM  
Blogger fred girauta said...

não é novidade que vc escreve bem...
vc sabe contar uma história.
mas tem uma coisa que me incomodou.

9:08 AM  
Blogger Daniel Andrade said...

nunca imaginaria esse final com morte!
adorei seu texto, Lucia.
beijo!

5:38 PM  
Blogger Dio Costa said...

Essa história merece uma continuação. Pense nisso.

bjs!

11:53 AM  

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